Carlos Eduardo Sturm: Nova resolução
do CONAMA separa regularização ambiental e licenciamento de atividades de
impacto em assentamentos de Reforma Agrária
Cassuça Benevides
Em julho, o Conselho Nacional de Meio
Ambiente (CONAMA) revogou sua Resolução 387 e aprovou a Resolução 458, que
retira a necessidade de licenciamento da regularização ambiental. Segundo o
Coordenador-Geral de Meio Ambiente do INCRA, o grande mérito da resolução foi
separar os passivos de Reserva Legal e Áreas de Proteção Ambiental e garantir
que a regularização vai se dar via Cadastro Ambiental Rural de cada imóvel.
CLIMA
E FLORESTA: O que mudou com a nova resolução do CONAMA?
Como o antigo Código Florestal não
tinha um instrumento de regularização ambiental do imóvel, o licenciamento dos
assentamentos de Reforma Agrária tratava tanto da regularização das áreas
protegidas pelo Código, quanto do licenciamento das atividades. O Código dizia
que APP e Reserva Legal deveriam ser recuperadas, mas não tinha um instrumento
claro para esta regularização. Com o Novo Código você tem este instrumento, que
é o Cadastro Ambiental Rural (CAR). A resolução antiga do CONAMA (387) tratava
do passivo do Código Florestal e do licenciamento de atividades nos
assentamentos de Reforma Agrária. O que fizemos foi separar estas duas
legislações: Código Florestal e Política Nacional de Meio Ambiente. Com relação
ao Código Florestal, a regularização vai se dar via CAR e adesão ao Programa de
Regularização Ambiental (PRA, estadual). O que sobra para licenciar
efetivamente? As atividades desenvolvidas pelos assentados que causam impacto
ambiental ou infraestruturas implantadas nos assentamentos que tenham impacto.
Agora há uma distinção entre a
regularização ambiental do imóvel e o licenciamento de atividades de
infraestrutura. Legislações distintas que tratam do assunto, mas se
complementam numa metodologia única de regularização do assentamento.
CF:
O que na prática isto vai significar para os assentados?
O assentamento agora é regularizado a
partir do momento em que você faz o CAR e adere ao PRA para recuperar o
passivo identificado no CAR. E as atividades desenvolvidas você vai tratar no
âmbito Política Nacional de Meio Ambiente, que trata do licenciamento de
atividades produtivas ou potencialmente poluidoras, via resolução CONAMA
458.
CF:
Cada assentado vai ter que fazer o seu CAR?
Todo imóvel rural do país vai ter que
ter o seu o Cadastro Ambiental Rural. O INCRA é responsável por fazer o CAR dos
assentados. O que a lei diz é que o Poder Público tem que prestar apoio. No
nosso caso, estamos assumindo que o INCRA vai apoiar elaborando o CAR dos
assentados e apoiá-los para que entrem no PRA.
Aí entra uma questão de interpretação
do Código Florestal para saber como será feito o CAR dos assentamentos. A
Instrução Normativa do Ministério do Meio Ambiente ainda não saiu, o decreto
que regulamenta o PRA ainda não foi publicado. O Ministério do
Desenvolvimento Agrário será ouvido, assim como o da Agricultura, mas
precisamos esperar a legislação para interpretá-la.
CF:
Vamos assumir que o CAR já está implantado. Como o INCRA vai apoiar o assentado
que tem passivo ambiental e vai precisar reflorestar ou cuidar de áreas degradadas?
Existem diversas estratégias para
elaboração do CAR que podem ser trabalhadas. (1) Via assistência técnica. (2) O
INCRA pode promover contratação direta de uma empresas para fazer o CAR. (3)
Podemos firmar acordos de cooperação ou convênios com municípios e estados.
Temos um leque de opções para tratar a elaboração do CAR dos assentamentos e
assentados.
Mas existe uma outra questão, que é a
de como vamos induzir ou promover a recuperação ambiental dos assentamentos. E
ela é muito mais ampla do que simplesmente o INCRA contratar uma empresa para
cercar a Reserva Legal do assentamento e começar a recuperar. Um dos eixos do
Programa Assentamentos Verdes lançado ano passado é recuperação ambiental
gerando renda e segurança alimentar.
O primeiro ponto é investir muito
forte nas sementes florestais, que são um insumo básico para qualquer
recuperação florestal: sem sementes, não tem mudas e sem mudas, não há
recuperação. O INCRA já vem trabalhando nisto no Mato Grosso, em Confresa e em
Marabá no Pará, junto com a Embrapa para delimitação de áreas de coleta de
sementes,capacitação em coleta, armazenamento e produção de mudas. O assentado
pode ter renda com venda de sementes e mudas. E a segurança alimentar
começa a entrar quando na recuperação florestal você usa conceitos do sistema
agroflorestal. Não recuperação massiva, mas como uma das tipologias de
recuperação ambiental que possa garantir também a segurança alimentar.
Nada impede que existam outras
metodologias de recuperação ambiental. Se vc vê uma boa resiliência no meio, já
tem fragmentos de florestas que possam promover recuperação por simples
cercamento da área, também podemos fazer. Há muitos estudos sobre recuperação
ambiental, mas nada consolidado sobre o que é válido para cada bioma, micro região
ou região. Isto tudo tem que ser desenvolvido e é uma questão do estado
brasileiro definir quais são as tipologias de recuperação ambiental. Isto deve
surgir dentro dos Programas de Recuperação Ambiental, com as regulamentações
estaduais.
CF:
O INCRA sabe qual é o passivo ambiental dos assentamentos?
O IPAM nos ajudou muito na Amazônia
com este trabalho de estimativa de passivo ambiental. Temos uma possível
alteração do passivo em função da interpretação do Novo Código Florestal,
mas isto é outra discussão. O IPAM promoveu um estudo muito bom, que tem
servido de base prá gente. Na Amazônia, como há muita informação de satélites,
é possível calcular este passivo. Temos uma boa ideia do passivo da Amazônia,
referendamos os números do estudo do IPAM, mas ainda não temos tantos dados de
outros biomas, fica difícil fazer este cálculo fora da Amazônia.
CF:
Ainda existem 20 milhões de hectares de florestas nos assentamentos da
Amazônia. Vai ser possível o pagamento de serviços florestais para as florestas
em pé? E compensação? Os assentados vão poder vender CRAs, por exemplo?
É fundamental que o INCRA
inicie esta discussão junto ao Ministério do Meio Ambiente e aos órgãos de Meio
Ambiente de como trabalhar as Cotas de Reserva Ambiental, inclusive para
premiar os assentados que mantiveram os seus lotes e os assentamentos que
preservaram a sua área florestada. E não só o pagamento do serviço ambiental,
também precisamos olhar para a questão da compensação ambiental. Várias
Unidades de Conservação foram criadas sobre terras doadas pelo INCRA com este
fim. Nada mais justo que a gente possa fazer a compensação de Reservas
Legais de alguns assentamentos nestas UCs. Isto já aconteceu em mais de 20
assentamentos de Rondônia: compensação ambiental em áreas de conservação onde
estão presentes terras do INCRA. Evidente que temos que usar estes ativos
ambientais a nosso favor. Como já começamos a fazer com o Bolsa Verde: Hoje
temos mais de 20 mil famílias em áreas que cumprem requisitos ambientais em
assentamentos em todo o país, sendo que 12 a 14 mil famílias na Amazônia. Não é
pagamento de serviço ambiental, é outra proposta do governo, mas que também já
está premiando quem tem sua área conservada.
CF:
Os projetos de sustentabilidade econômica têm que acontecer paralelamente à
implementação do CAR. Como vai ser isto?
Quando a gente aderir ao programa de
regularização ambiental, teremos que informar como vamos recuperar esta área. A
proposta do INCRA é envolver a assistência técnica e isto está inclusive no
termo de compromisso assinado com o Ministério Público Federal, onde a própria
assistência técnica pode receber um recurso adicional se estiver cumprindo
alguns requisitos agroambientais: diminuir desmatamento, aumentar conservação,
praticar agroecologia. Nos assentamentos que conseguirem por conta da
assistência técnica atingir certos índices, esta assistência técnica pode ter
um ganho adicional de recursos no seu contrato. São formas que estamos buscando
para promover atividades produtivas sustentáveis nos assentamentos.
Outro eixo do Programa Assentamentos
Verdes é a valorização dos ativos ambientais. Focada na questão do manejo
florestal de uso múltiplo ligada às sementes, mas também ao manejo madeireiro,
que é outra fonte. Estes 20 milhões de hectares sofrem uma pressão muito
grande no mercado madeireiro na Amazônia e temos que ter estratégias para
trazer a iniciativa privada para o jogo e mediar a relação entre comunidade e
empresa para favorecer os dois lados. Mas de uma forma que a comunidade possa
depois se apropriar da estratégia do manejo florestal e seguir sozinha, sem a
empresa.
O INCRA vem pensando em todas estas
ações para cumprir seu papel na Amazônia que é uma nova estratégia ambiental
para a região. O Programa Assentamentos Verdes trata disto com clareza: trazendo
a questão da regularização ambiental via CAR e PRA; a da recuperação ambiental
gerando renda e segurança alimentar; fazendo efetivamente a valorização dos
ativos ambientais – transformando isto em renda para os assentados; e não
perdendo de vista o monitoramento e controle, que é identificar os dados do
desmatamento, localizar onde ele está, fazer ações de fiscalização com os
órgãos de fiscalização ambiental. Estamos numa ação forte com o IBAMA, citando
o estado do Pará com o Programa Municípios Verdes, com a Secretaria de Meio
Ambiente do Pará, integrando os três níveis de governo, municipal estadual e
federal, para fazer uma ação de fiscalização e monitoramento.
O INCRA acha que este conjunto de
estratégias vai, além de reduzir o desmatamento, promover também uma outra
forma de desenvolvimento para os projetos de assentamento da Amazônia.
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