quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Regularização ambiental de assentamentos


Carlos Eduardo Sturm: Nova resolução do CONAMA separa regularização ambiental e licenciamento de atividades de impacto em assentamentos de Reforma Agrária
Cassuça Benevides

Em julho, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) revogou sua Resolução 387 e aprovou a Resolução 458, que retira a necessidade de licenciamento da regularização ambiental. Segundo o Coordenador-Geral de Meio Ambiente do INCRA, o grande mérito da resolução foi separar os passivos de Reserva Legal e Áreas de Proteção Ambiental e garantir que a regularização vai se dar via Cadastro Ambiental Rural de cada imóvel.
CLIMA E FLORESTA: O que mudou com a nova resolução do CONAMA? 
Como o antigo Código Florestal não tinha um instrumento de regularização ambiental do imóvel, o licenciamento dos assentamentos de Reforma Agrária tratava tanto da regularização das áreas protegidas pelo Código, quanto do licenciamento das atividades. O Código dizia que APP e Reserva Legal deveriam ser recuperadas, mas não tinha um instrumento claro para esta regularização. Com o Novo Código você tem este instrumento, que é o Cadastro Ambiental Rural (CAR). A resolução antiga do CONAMA (387) tratava do passivo do Código Florestal e do licenciamento de atividades nos assentamentos de Reforma Agrária. O que fizemos foi separar estas duas legislações: Código Florestal e Política Nacional de Meio Ambiente. Com relação ao Código Florestal, a regularização vai se dar via CAR e adesão ao Programa de Regularização Ambiental (PRA, estadual). O que sobra para licenciar efetivamente? As atividades desenvolvidas pelos assentados que causam impacto ambiental ou infraestruturas implantadas nos assentamentos que tenham impacto.
Agora há uma distinção entre a regularização ambiental do imóvel e o licenciamento de atividades de infraestrutura. Legislações distintas que tratam do assunto, mas se complementam numa metodologia única de regularização do assentamento.
CF: O que na prática isto vai significar para os assentados?
O assentamento agora é regularizado a partir do momento em que você faz o  CAR e adere ao PRA para recuperar o passivo identificado no CAR. E as atividades desenvolvidas você vai tratar no âmbito  Política Nacional de Meio Ambiente, que trata do licenciamento de atividades produtivas ou potencialmente poluidoras, via  resolução CONAMA 458.
CF: Cada assentado vai ter que fazer o seu CAR?
Todo imóvel rural do país vai ter que ter o seu o Cadastro Ambiental Rural. O INCRA é responsável por fazer o CAR dos assentados. O que a lei diz é que o Poder Público tem que prestar apoio. No nosso caso, estamos assumindo que o INCRA vai apoiar elaborando o CAR dos assentados e apoiá-los para que entrem no PRA.
Aí entra uma questão de interpretação do Código Florestal para saber como será feito o CAR dos assentamentos. A Instrução Normativa do Ministério do Meio Ambiente ainda não saiu, o decreto que regulamenta o PRA ainda não foi publicado. O  Ministério do Desenvolvimento Agrário será ouvido, assim como o da Agricultura, mas precisamos esperar a legislação para interpretá-la.
CF: Vamos assumir que o CAR já está implantado. Como o INCRA vai apoiar o assentado que tem passivo ambiental e vai precisar reflorestar ou cuidar de áreas degradadas?
Existem diversas estratégias para elaboração do CAR que podem ser trabalhadas. (1) Via assistência técnica. (2) O INCRA pode promover contratação direta de uma empresas para fazer o CAR. (3) Podemos firmar acordos de cooperação ou convênios com municípios e estados. Temos um leque de opções para tratar a elaboração do CAR dos assentamentos e assentados. 
Mas existe uma outra questão, que é a de como vamos induzir ou promover a recuperação ambiental dos assentamentos. E ela é muito mais ampla do que simplesmente o INCRA contratar uma empresa para cercar a Reserva Legal do assentamento e começar a recuperar. Um dos eixos do Programa Assentamentos Verdes lançado ano passado é recuperação ambiental gerando renda e segurança alimentar.
O primeiro ponto é investir muito forte nas sementes florestais, que são um insumo básico para qualquer recuperação florestal: sem sementes, não tem mudas e sem mudas, não há recuperação. O INCRA já vem trabalhando nisto no Mato Grosso, em Confresa e em Marabá no Pará, junto com a Embrapa para delimitação de áreas de coleta de sementes,capacitação em coleta, armazenamento e produção de mudas. O assentado pode ter renda com venda de sementes e mudas.  E a segurança alimentar começa a entrar quando na recuperação florestal você usa conceitos do sistema agroflorestal. Não recuperação massiva, mas como uma das tipologias de recuperação ambiental que possa garantir também a segurança alimentar.
Nada impede que existam outras metodologias de recuperação ambiental. Se vc vê uma boa resiliência no meio, já tem fragmentos de florestas que possam promover recuperação por simples cercamento da área, também podemos fazer. Há muitos estudos sobre recuperação ambiental, mas nada consolidado sobre o que é válido para cada bioma, micro região ou região. Isto tudo tem que ser desenvolvido e é uma questão do estado brasileiro definir quais são as tipologias de recuperação ambiental. Isto deve surgir dentro dos Programas de Recuperação Ambiental, com as regulamentações estaduais.
CF: O INCRA sabe qual é o passivo ambiental dos assentamentos?
O IPAM nos ajudou muito na Amazônia com este trabalho de estimativa de passivo ambiental. Temos uma possível alteração do passivo em função da interpretação do Novo  Código Florestal, mas isto é outra discussão. O IPAM promoveu um estudo muito bom, que tem servido de base prá gente. Na Amazônia, como há muita informação de satélites, é possível calcular este passivo. Temos uma boa ideia do passivo da Amazônia, referendamos os números do estudo do IPAM, mas ainda não temos tantos dados de outros biomas, fica difícil fazer este cálculo fora da Amazônia.
CF: Ainda existem 20 milhões de hectares de florestas nos assentamentos da Amazônia. Vai ser possível o pagamento de serviços florestais para as florestas em pé? E compensação? Os assentados vão poder vender CRAs, por exemplo?
É fundamental que o  INCRA inicie esta discussão junto ao Ministério do Meio Ambiente e aos órgãos de Meio Ambiente de como trabalhar as Cotas de Reserva Ambiental, inclusive para premiar os assentados que mantiveram os seus lotes e os assentamentos que preservaram a sua área florestada. E não só o pagamento do serviço ambiental, também precisamos olhar para a questão da compensação ambiental. Várias Unidades de Conservação foram criadas sobre terras doadas pelo INCRA com este fim.  Nada mais justo que a gente possa fazer a compensação de Reservas Legais de alguns assentamentos nestas UCs. Isto já aconteceu em mais de 20 assentamentos de Rondônia: compensação ambiental em áreas de conservação onde estão presentes terras do INCRA. Evidente que temos que usar estes ativos ambientais a nosso favor. Como já começamos a fazer com o Bolsa Verde: Hoje temos mais de 20 mil famílias em áreas que cumprem requisitos ambientais em assentamentos em todo o país, sendo que 12 a 14 mil famílias na Amazônia. Não é pagamento de serviço ambiental, é outra proposta do governo, mas que também já está premiando quem tem sua área conservada.
CF: Os projetos de sustentabilidade econômica têm que acontecer paralelamente à implementação do CAR. Como vai ser isto?
Quando a gente aderir ao programa de regularização ambiental, teremos que informar como vamos recuperar esta área. A proposta do INCRA é envolver a assistência técnica e isto está inclusive no termo de compromisso assinado com o Ministério Público Federal, onde a própria assistência técnica pode receber um recurso adicional se estiver cumprindo alguns requisitos agroambientais: diminuir desmatamento, aumentar conservação, praticar agroecologia. Nos assentamentos que conseguirem por conta da assistência técnica atingir certos índices, esta assistência técnica pode ter um ganho adicional de recursos no seu contrato. São formas que estamos buscando para promover atividades produtivas sustentáveis nos assentamentos.
Outro eixo do Programa Assentamentos Verdes é a valorização dos ativos ambientais. Focada na questão do manejo florestal de uso múltiplo ligada às sementes, mas também ao manejo madeireiro, que é outra fonte.  Estes 20 milhões de hectares sofrem uma pressão muito grande no mercado madeireiro na Amazônia e temos que ter estratégias para trazer a iniciativa privada para o jogo e mediar a relação entre comunidade e empresa para favorecer os dois lados. Mas de uma forma que a comunidade possa depois se apropriar da estratégia do manejo florestal e seguir sozinha, sem a empresa.
O INCRA vem pensando em todas estas ações para cumprir seu papel na Amazônia que é uma nova estratégia ambiental para a região. O Programa Assentamentos Verdes trata disto com clareza: trazendo a questão da regularização ambiental via CAR e PRA; a da recuperação ambiental gerando renda e segurança alimentar; fazendo efetivamente a valorização dos ativos ambientais – transformando isto em renda para os assentados; e não perdendo de vista o monitoramento e controle, que é identificar os dados do desmatamento, localizar onde ele está, fazer ações de fiscalização com os órgãos de fiscalização ambiental. Estamos numa ação forte com o IBAMA, citando o estado do Pará com o Programa Municípios Verdes, com a Secretaria de Meio Ambiente do Pará, integrando os três níveis de governo, municipal estadual e federal, para fazer uma ação de fiscalização e monitoramento.
O INCRA acha que este conjunto de estratégias vai, além de reduzir o desmatamento, promover também uma outra forma de desenvolvimento para os projetos de assentamento da Amazônia.


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